terça-feira, 27 de maio de 2008

Acabou concluindo que era a sua mão que estava doendo


Toda vez
que uso o estepe
idiotamente
bato a cabeça:

Nada mais
que
coerente.

Uns socos
nas têmporas
de repente
rotineiros

Me dizem 
que o sol
ainda brilha

Foda-se.


por lili

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Remotos tempos de saquê

A lembrança se dissolve
Que pena.
Flutua lenta
Ao chão.

Levanto.
Não encontro
O concreto
Que sangra meus dedos

Gaze,
Sinto-me múmia
O movimento se resume
Ao nada

Em nada, permaneço
Abraço o bege,
Grito por vermelho, enquanto
O tempo destroí

Os passos não dados
Fala coreografada
No silêncio,
Descolorido

Dedos machucados
Esmalte cor-de-rosa
O sangue escorre
Leva minha cor

Me encontro,
Sou o nada
Permaneço parada
Suplico por movimento.

por anouk

tirado da cortiça


Será que o papel
sente o gosto
da tinta
na pele?

Na língua
eu sinto
o azul
roxeado

O vácuo
que prende
asfixia
divertida

plastificada
roçando no
céu da
boca

Círculo
Cíclico
em alto relevo
sensível

Me faz sentir
o primeiro
gole do
café


por lili

O Caule do Ocotillo


Como o barulho
de ossos roçando;
Facas afiadas

Seus braços espinhosos
me envolvem
se espetando
mais que a mim

Freadas bruscas
Uma caneta falha
por entre meus dedos

Ninguém escapa
Há lascas pelo chão
Inofensivas,
eu juro.


por lili

sem titulo2


Afiada como uma
Arma
Essa ponta

Esse ponto
Metalingüístico
Preto piche com
Madeira cinzenta

Me expressa
Impressa
Essa ponta

Essa agulha
Me retalha
À flor da pele
A folha de papel

Não morre
Na minha mão
Essa ponta

Não é falha
Perfeitamente substituível
Sempre se perde; e volta
Com outra cara

Essa ponta
Se arredonda:
Me liberta


por lili

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Pasta


Primavera chuvosa
Chove, molha, chora
Chega
Chega dessa angústia sem razão
Terra molhada
Meu tênis sujo
A planta chorando
Não é a água que a alimenta?
Por que choras então?

por anouk


Bette Dieter, estrela do cinema mudo alemão nos anos 20. Fumava como uma caminhoneira e assim acabou matando seu marido, o magnata dos jornais Wagner J. Hirsch , fumante passivo por cinco anos e dono de um pulmão fraco. Após virar viúva, tornou-se uma alcoólatra libidinosa e para identificar seus amantes da noite anterior, queimava-os com cigarros em lugares estratégicos. Em poucos meses, sua ex sogra passou a monitorar suas noitadas e compartilha-las com o público através dos jornais que possuía, revelando a todos os motivos por trás das estranhas queimaduras nos pescoços e braços dos mais diversos homens do show business. Bette, indignada, resolveu solucionar o problema e salvar sua reputação: seduziu a também viúva e irmã de seu amado e falecido marido, Hilda Hirsch. O caso das duas foi notório nas histórias de backstage, mas graças à influência da nova amante, o público nunca soube. As duas acabaram largando tudo (levando apenas o dinheiro, é claro) e fugiram para a Ilha de Lesbos, na Grécia (mais apropriado, impossível). Morreram juntas, tomando cicuta e absinto e se jogando no mar; nenhuma queria ser viúva de novo.


por lili

quarta-feira, 14 de maio de 2008

7


Indefinido
Névoa sem chuva,
sem sangue
nem vida

Indefinível
A medula frágil
mal se mexia
quando saltou do trampolim

Cada fibra absorvendo
as águas negras
e tenebrosas
que saem do chão

Antes o sangue
aos pingos vazios.

por lili

terça-feira, 13 de maio de 2008

sexta feira


Romantismo em Roma
Rômulo e Remo
Não poderiam ser mais opostos:
Um era hippie, outro era emo
E toda a emisse a transbordar                                                                  
Conquistou o hippie em um olhar
Incesto!
Romance quase Edipiano
Construíram sua cidade
Em pouco mais de um ano
E a cidade se formou
Com um muro grande
Uma Roma bipolar
O que veio depois
Não é difícil adivinhar
A parte do lado dos emos
Acabou por se matar
Hippies no poder
Todos se puseram a dançar
E o LSD tomou conta do lugar
Togas brancas e largas
Coroas de louro na cabeça
Meditações na casa de banho
Nadavam enquanto dançando!
Até que um dia
O sol não nasceu
O escuro sufocante
Não podia ser mais broxante
E a alma deles se escureceu
Mas um emo nasceu
A escuridão iluminava sua alma
Logo, logo a Roma hippie
Passou a ser regida por novos reis
Mas a natalidade estava caindo
Pois todos os emos são gays!
A história hippie
Ficou guardada
Em um baú no meio da estrada
Três mil anos depois
Numa escavação arqueológica
Fazem a chocante descoberta
E a matéria de Roma Antiga
Enganada nas escolas
Passou a influenciar os jovens
A usar drogas
Felizes e abobalhados
Apenas imitavam a história
O único problema era
A conseqüente falta de memória
A cidade ficou lembrada
Pelos seus elefantes cor-de-rosa
Fuscas voadores
E hippies destruidores
Togas brancas retornam à moda
Coroas de folhas também
"Somos ninfos da floresta,
Vamos voar, amém!"
E tentaram voar.
Os poucos hippies restantes
Da cidade emo
Subiram num penhasco e se entregaram para o vento
Mais felizes do que nunca
Pairando pelo ar
Mergulharam fundo
E viraram espuma do mar
Roma deserta entrou para a história.


por anouk e lili

segunda-feira, 12 de maio de 2008

culpa

Não quero me sentir culpada.
O amor se desgastou por causa da culpa,
será que posso culpá-la?
O tempo todo ela me pertubou, agora a temo.
Não quero encontrá-lo, não quero que ele traga a culpa
Quero fugir
Mas não tenho do que fugir,
nem da onde fugir,
A culpa está em mim, sempre esteve.


por anouk

How much can you know about yourself if you've never been in a fight?

Eu leio de maneira metafórica. E estão certos:
Como é possível se conhecer sem se levar ao limite? Sem chorar aos prantos, gritar histericamente, quebrar tudo e despedaçar-se em momentos de intensidade? 
A sociedade nos impõe o comportamento moralmente aceitável, nos induz à dormência. E depois censuram a busca por entorpecentes! Foram eles que nos ensinaram que o entorpecimento e o vazio são bons;
Nossos corpos urgem por sangue e lágrimas; fomos feitos pra destruirmos-nos e renascermos periodicamente: a fênix é a metáfora do ciclo emocional humano. E, no entanto, emoções fortes são as marcas da insanidade da nossa era; insanidade é valorizar o neutro: o bege acima de todas as cores

por lili

A Queda


Fita cinza
pé, chão
mão--
Sangue, água
mamíferos, 
largartos
(reconstrução celular )

por lili
Quase gráfica indiferença
O rosto limpo me acalma;
odeio-o.

por lili

mais um capítulo

Se sou Alice
[és] Meu gato listrado
Me confundes
Sonho lúcido
Sorriso incerto
Me faz incerta
Brincas com meu riso
Corro o melhor perigo

por anouk

Tom Bloch




Cabeça caixa
Transbordando
Desfiltrada
Que é o lixo?

Menina baixa
Semi curvada
é tanta carga
sem desapego

Ébano em fogo
pelas orelhas 
fios cortados
pregos soltos

Um parafuso
Um ano novo
Casa lotada
mal se aguentando

por lili


sem título


Doce,
é tarde demais.
A mão que se entrelaça
Meu olhar observador,
escorrendo pelos cantos da boca.

Fluidas viagens
de palavras inúteis
e olhares expressivos,
falsos --

Solta o cabelo,
Sorri [a]
Caninos banhados em líqüido espinal
O gosto é irresistível
(de cortes que ainda me fazem sangrar)

por lili

pequenas confissões


Minha alma é um suspiro.
Páginas e páginas. Vivências.
A procura pelo amor em cada frase,
amor por quem? Pelo que?
Que amor é esse que se procura? Não se procura amor!
Só diminui o amor que sinto por mim mesma.
São as expectativas,
precipitadas demais.
Decepções, Vazio, A falta
A falta que permaneceu e até aumentou com as expectativas.
O pior que algumas permanecem.
Tolice a minha, pura tolice. Por mais que o saber se disfarça de anestesia,
parece apenas prolongar a dor.
Adiar a dor.
Mas do que me queixo?
Eu amo a vida. Amo essa incerteza que me faz criar expectativas.
Amo poder sofrer enquanto esse sentimento não me domina.
Só não amo esse vazio...
Contradições que me compõem junto das células, contradições do meu sangue, do meu espírito que me abandona e me preenche.



por anouk

a crise da minha idade


Mais um ano, praticamente nada.
Nada de muito
Muito enrolar, nada de mais
Demais para lembrar,
Logo, nada
Em nada de tempo
Muito escrevi
Em muito de tempo,
Tão poucas páginas
Muita abstração, nada concreto
Muitos passos,
Cadê as portas?
Muita gente!
Há de se viver?
Vivo.
Quase nada
Quase de graça
Mas muito
Obrigado?
De nada
Nada de muito
Que graça!


por anouk

A morte


Falta de energia
Presença longe
Transpiro a falta
Deixo de transpirar

Energia que relaxa
Acumula correndo
E paro.
Chacra da coluna
Me encontro a dançar

Insecta. Meu sangue
Deixe-me tentar
Sentir o gosto
E acordar em rostos verdes

Cãibra. Preciso de ar.

          *          *          *

Que ar é esse que me parece cada vez mais denso? Meu cabelo cheira à química e parece desbotado. Meu cérebro aceita a química, massa encefálica que entrega minhas emoções. Corrosão. A química me transforma num réptil sem reconhecimento. Queria braços flexíveis como o Senhor Fantástico, assim alcançaria tudo o que quisesse. Talvez eu não saiba o que eu queira, ou já alcancei o que procurava. Tudo fica pra trás. Minha conquista escorre pelos meus dedos. Eu quero de volta.


por anouk

Perdendo tempo que não tenho


A segunda-feira é longa e fria, meu casaco é só longo, meu nariz é só frio. Vestida como uma andarilha peruana, espinhas feiosas mas quase discretas espalhadas pelo meu rosto, contrastando com as rachaduras frias nos meus lábios finos e secos. Esmalte vermelho descascado, manchado de caneta. Unhas roídas, cortantes, horríveis. Quero uma lixa. Quero um protetor labial. Quero tempo, para ver os filmes deitados em cima da televisão, para ler uns livros, pra absorver algum conhecimento distante da realidade atual na qual sou apenas uma estatística e fico mais idiota ao minuto. Por minuto. Não penso em mais nada além dos meus dedos ossudos e tortos, sem que nunca os tenha estalado, na voz suave do professor, que eu mal percebo, na minha inquietude da qual não consigo escapar. Mas posso fugir um pouquinho, de fininho, no meio de uma aula que não está prendendo minha atenção. Não. Não muda. Um punhado de água gelada no rosto não mudou. Adiantou mas não foi adiante. Nem tinha como. Não sinto fome, mas deveria. Meus devaneios todos voltados para um programa de tv um tanto interessante que serviu como desculpa para adiar um tanto mais meu sono. Instável. Instáveis os meus hormônios, as minhas olheiras, as minhas aftas e meus arranhões. Várias cabecinhas, como a minha, me rodeando, no que será  que estão pensando... Será que eles podem ler estampado na minha cara, que desperdiço meu tempo divagando sobre um semi-resfriado e meia garrafa de água velha, minha borracha de cupido, de volta a voz suave do professor, que vai e volta, cada vez mais alterada por minha deturpada percepção. Que percepção? Que idiota.  Aposto que a Clarice Lispector nessa idade escrevia contos, romances, histórias ao invés de perder seu tempo se concentrando em botar no papel as futilidades sem utilidades, sabendo que não serve de nada, não é vanguardista nem retrô ou clássico, só idiota, idiota e clichê. Esse chocolate na minha boca tem gosto de chiclete de tutti frutti e não sei se devo buscar algum sentido nisso. Isso. Nada é nada, tudo é matéria e eu sempre ansiei por doar meu corpo à ciência para causar em estudantes aqueles pequenos orgasmos que sempre quis e sei que um dia vou sentir, ao revelar os interiores de um de nós, controlando o bisturi. Minhas entranhas causariam gozo mental e espiritual que é impossível vivenciar sem pegar nas vísceras de um alguém. A maca fria de metal contagia o ar e estou deitada nela sem querer e sem poder evitar. Será esse o motivo do frio ser agradável? Por que, então, vivemos com medo de ser cortados metaforicamente? Porque não seguram bisturis, mas sim canivetes enferrujados. Não compreendem a beleza do sangue, da morte, da luz que nunca aparece. O ceticismo dos instrumentos cirúrgicos esterelizados. O cadáver aberto como a expressão mais evidente e bela do ateísmo. Do meu, não do seu, não das cabecinhas à minha volta, cérebros de metal. Como o meu. Como o seu. Que improvável. Nada serve de prova. Nenhuma idéia nova; nossos conceitos são química, reações químicas e elétricas: eis nossa genialidade, impulsividade. Nada é controlado e as cabeças do meu lado são exatamente iguais, as origens de seus pensamentos igualmente banais. Uma espécie de calvinismo da natureza que preferimos ignorar. Não eu. Nenhum tempo é perdido, as reações são as mesmas, a mesma. Reveladas junto ao cheiro de formol.

por lili

Éter


Preciso esquecer;
Aquela sauna lotada
Um grande salão
Vazio.

Falta da mentira
verdade anestésica,
preciso de anestesia?

Meu sangue escorre,
nada sinto.
O vermelho apaga sua imagem
Ainda não vejo quem é.

Que queres?
Meu sangue se dissolve
em água que lava seus pés

Escorre despercebida
Fome de mentira
Minta.
Acreditar é minha paz.

por anouk

Gota


Um soneto
repleto 
de cianeto

Uma valsa
à beira
da piscina

Um jantar
em família
no escuro

Um beijo
de boa
noite

Um não-
soneto

Executado

por lili

aniversário


as cerejas
foram esse ano esquecidas?
meu sangue jorra

mais um dia
Mil lágrimas
uma adaga

A dor é
inexplicável
inexorável
insuportável

identidade?
que se passa
no jogo de dados

uma pilha
minha carga
aumentada

apagada.

por lili

Ex Mulher


Vampira,
encheu-me de
amor, mas
seus caninos

Deixaram marcas
meu sangue
perdoa mas não
esquece

Um bosque de
palavras,
de retratos
Um mato

Eu mato
a nostalgia
a serra elétrica
é sempre suja

Com a serragem
de uma criança
despedaçada
Um espírito

desperdiçado
Sua lembrança
se esquece. A
minha não.

por lili