terça-feira, 10 de junho de 2008

Lá fora é uma selva

- Lá fora é uma selva, meu filho! você nem imagina os perigos que te esperam, respondeu a mãe num tom ameaçador, como se o terror psicológico ainda o atingisse. Mas Paulo já estava acostumado; nem se assustava mais. Porém rebelava-se (Calava mas não consentia). “Aquela ditadora! Acha que tem sempre razão”.
- Mas mãe, eu já tenho 12 anos, já sei me cuidar. Além disso, o papai sempre deixa.
- Então você pede pra ele quando ele voltar de viagem...
- Isso não é justo mãe, além do que hoje é sábado – disse ele num último suspiro, tentando em vão impedir que ela desviasse a atenção. É Paulinho, é um mundo injusto mesmo...
Mas que fazer? Todos os amigos o esperavam para a partida de futebol. Com olhos transbordando melancolia, o menino subiu a escada que levava a seu quarto, deixando para trás uma cachoeira de lágrimas. Passada a tristeza inicial, o menino decidiu-se: não deixaria uma “infantilidade boba” de sua mãe atrapalhar o jogo. Cobriu uns travesseiros que tinha com um cobertor velho e, cuidadosamente, saiu pelo parapeito da janela, descendo até o andar de baixo pela calha lateral. Na esperança de que sua mãe não descobrisse a fuga, seguiu caminhando bem vagaroso. “Não foi tão difícil assim”. Enquanto caminhava, o medo de ser descoberto deu lugar ao orgulho. Deu-se conta do que havia feito, e não se arrependia. Afinal, julgava-o certo. Por fim, sentiu-se pleno, dono de si. E os amigos, então, que diriam?
Levando em conta os devidos exageros juvenis, não é que o garoto manteve-se bastante fiel à história. Um heroísmozinho aqui, um martiriozinho ali, e lá estava ele, entre os súditos, poderoso. Usou e abusou do dom que tem os rapazes de transformar em epopéia qualquer simples fato. – que selva que nada, mãe – pensou. No fundo, queria convencê-la. Por isso estava lá. Não importava se jogaria futebol ou brincaria de bonecas. Queria libertar-se; chegar em casa e jogar na cara – viu mãe, voltei, inteiro!
Passada a glória, foram ao jogo. Contagiado pela emoção que o havia tomado, o garoto estava impossível; pegava a bola na defesa, queria atravessar o campo sozinho, driblar todo o time e ainda marcar o gol. Esses meninos... Assim terminaria a partida não fosse o pequeno Joaquim atirar a bola com assombrosa violência matagal adentro. Como mandava a etiqueta dos rapazes, “quem isolou vai buscar”. E lá se foi Joaquim.
Assustados com a demora do amigo, preocuparam-se. Entraram todos na mata para procurá-lo.
- Pessoal, vem ver o que eu encontrei!
Era ele; Preocuparam-se ao ver o amigo curvado, no chão, como se algo o tivesse atingido a barriga.
- Aconteceu alguma coisa?
Ele não respondeu. Estava debruçado sobre um passarinho, miudinho que só ele, cutucando-o com sua impiedosa vareta. A chegada dos amigos só piorou a situação do pobrezinho, que agora era importunado por vários ao mesmo tempo. Na verdade, Paulo até comoveu-se com os gemidos que dava o bichano, mas não ousou falar nada. Não podia deixar que duvidassem de sua virilidade, sua macheza. Pareciam se divertir tanto vendo sofrer o animalzinho. Ou não teria nada daquilo a ver com o coitado, e sim com cada um dos rapazes, impelidos a lutar num cruel ritual de auto-afirmação? Paulo, como saber...
Ao anoitecer, todos partiram; só a culpa restara. E Paulo. Precisava redimir-se; calara e consentira quando o pequenino mais precisara. Esperou mais um pouco, até que os amigos não mais o pudessem ver. Ajoelhou-se no chão, e arrependido, sussurrou:
- Onde está sua mãe, passarinho?, você não devia ficar por aí, sozinho – aqui fora é uma selva!
Pegou-o suavemente e o devolveu ao ninho.

por san

2 comentários:

kyra disse...

muito bom!! de quem é??

... disse...

é do saaaan! e é lindo!

(anouk)