10.16. A tv era ignorada enquanto jogava o que parecia ser a milésima oitava partida de mahjongg . Fechou o computador em sinal de desistência. Rolou debaixo do edredon e observou por alguns momentos seu amplo quarto, predominantemente branco, com estantes repletas de livros, revistas e discos roubados de seu falecido pai. Caminhou arrastando os pés até as imensas janelas , que iam de poucos centímetros abaixo do teto até o chão; faziam-na se sentir pairando sobre a paisagem. Afastou as escuras cortinas com cuidado e se permitiu absorver o sol ainda matinal.
12.32. Agarrada ao lençol na posição fetal, soluçava entre gemidos de dor; seus olhos ardiam. Lágrimas tardias caminhavam do meio do pescoço até a gola da camiseta. Ainda não havia comido nada naquele ensolarado dia de inverno. Sentia sangue imaginário sendo estancado por uma faca imaginária alojada em sua barriga ferindo o estômago, onde a morte é lenta. Balbuciava seus pensamentos e voltava aos prantos. O intervalo entre as crises era de uns poucos minutos - até acabarem, pouco mais de uma hora.
13.58. Bebericava água velha de um copo que estava em cima da cabeceira da cama desde a noite anterior. Seu rosto não tinha expressão alguma - se não fosse pelo movimento manual que fazia ao mudar de canal, seria fácil deduzir que estava catatônica.
14.24. Apoiada na janela, acendia com dificuldade seu Parliament com um zippo prateado e mais estreito que o normal, que herdara de um velho namorado. Inspirava a fumaça profundamente, deixando-a invadir seu pulmão em seu estado mais dilatado; Sentia a pressão baixando aos poucos e o frio se tornando mais agradável. A fumaça era sua amiga - fazia com que ela se sentisse acompanhada e consolada. Observava o mundo em sua paisagem emoldurada por anéis de fumaça nicotinada, que garantiria um ar noir à sua visão caso já fosse noite. Sentia seu corpo leve e vazio; o cigarro escorregou por entre seus dedos e encontrou repouso no centro do cinzeiro. Sentada no chão, encostada no vidro protetor da parte inferior da janela, perdeu o ar e chorou.
16.37. Adormecida no chão, envolvida pelo edredon (que fora arrancado da cama com desleixo), as pontas do dedo quase tocando o pôr-do-sol gélido. Sonhava que voava dentro da piscina de Gellért.
por lili
Nenhum comentário:
Postar um comentário